sábado, 16 de junho de 2007

Essa daqui é pra comemorar o prêmio que o hiperbacana José Muñoz, a meu ver um dos maiores desenhistas de quadrinhos vivos, recebeu esse ano em Angoulême, o conhecido salão francês da nona arte. Com seu parceiro,o também argentino Carlos Sampayo, criou um dos personagens mais marcantes das hqs contemporâneas, Alack Sinner, que foi cana, detetive particular e motorista de táxi em NY. É triste notar que, a não ser por sua bela biografia de Billie Holiday, esses titãs dos quadrinhos internacionais permanecem inéditos no país. Muñoz nasceu em 1942 em Buenos Aires e foi assistente de Solano López numa das obras primas da hq argentina, EL ETERNAUTA.Depois,trabalhou como auxiliar em algumas outras séries, entre as quais Ernie Pike, até que com roteiro de Ray Collins, criou seu primeiro grande personagem, o tenente Zero Galván, de Precinto 56.Isso em 62.Depois, em 75, com os textos francamente tremendos de Sampayo, Alack Sinner irrompe na Itália, e é prontamente republicado nos principais mercados europeus. A série não só continua como cria outras, Sophie Comics e O Bar de Joe. Esta última série permitiu a ele e a Sampayo criarem algumas das narrativas mais impressionantes da hq contemporânea, explorando com radicalidade as possibilidades expressivas do branco e preto, série a partir da qual, mal compreendido, seu traço foi tremendamente plagiado, em particular nos EUA, por desenhistas de super-heróis que além do mais não devem ter entendido boa parte do que leram, apesar das histórias se passarem em NY.Depois disso, ainda com Sampayo, fez Sudor Sudaca, série sobre argentinos exilados, e com Jerôme Charyn , um também excepcional roteirista franco-americano, Panna Maria , sobre imigrantes no início do século XX, also nos EUA. A obra dele consta do Almanaque dos Quadrinhos, mas não pude deixar de postar minha alegria com o diacho do prêmio. Esse é um dos caras que tinha de fato que ganhar muito bem.Esteve aqui no Rio em 91, na I Bienal de HQ, e pude conversar um pouquinho com ele e Sampayo, que me trataram com simplicidade e responderam generosamente às perguntas minhas e das outras pessoas sobre seu trabalho, sobre seu gosto em quadrinhos, o diacho. Não me esqueço de quando ele disse o que pensava sobre planejamento de página: um quadrinho vem depois do outro. Leitores da Animal viram o traço de Osvaldo Pavanelli, fortemente influenciado pelo dele, mas lamentavelmente nem nessa revista ousada o bacana foi mais sistematicamente publicado no nosso país, enquanto diversos dos que abriram seus horizontes a partir do contato com seu trabalho frequentam nossas bancas de jornal e livrarias impávidos...mas é isso, viva o bacana!!!

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

SOB AS LUAS GÊMEAS de MUNNOPOR





Sob as luas gêmeas de Munnopor

Anoitecia. A longa dança da Primeira Lua no céu já havia quase terminado. A Segunda Lua já estava, como de costume, a um terço de seu caminho imutável. A olhos nus, as Duas Luas pareciam ser quase do mesmo tamanho. No entanto, quem estudava, desde a emergência da obra de Mnaa, sabia que a Segunda Lua era maior, apesar de parecer menor. O caso era que ficava mais longe e era mais discreta no azul profundo, porisso aos olhos nus parecia menor. Mnaa havia mudado o mundo ao notar, com seu telescópio, que a superfície do Segundo Satélite era mais rugosa e acidentada, aos olhos do cientista, que a do Primeiro. Observações posteriores haviam confirmado suas hipóteses. A Óptica, ciência nova e encantada, permitia apontar as lentes para o firmamento e estudar o céu como nunca antes. As pessoas estudaram com paixão.
Mnaa conheceu Dzinn por conta dessa paixão. Foi professor de elegantes e profundos cursos de astronomia e astrologia, durante um dos ciclos masculinos de sua já longa vida. Quando estava num tal ciclo, como agora, gostava de se lembrar desses cursos e de seus encontros daquela época. Eram momentos que apreciava dividir com sua já não tão jovem parceira, a qual parecia, hoje em dia, apreciar mais a condição feminina que a masculina. Eles tinham que fazer suas escolhas finais, e já sabiam que não estava muito longe, para os dois, o momento em que deixariam de mudar de sexo e de ciclo vital, como haviam feito a vida toda, por deixar de existir, ao menos em termos autoconscientes. Mnaa sabia, já, que queria terminar seus dias na sua condição masculina. E Dzinn estava dando a entender que preferia falecer provida de útero... O cientista deixou essas idéias de lado. Sabia que ela estava a caminho também, e que estarem juntos seria tão bom quanto sempre havia sido. Poderiam conversar sobre essas coisas, mas só depois.
O Primeiro Acampamento, assim nomeado por causa de seus estudos acerca da Primeira Lua, não estava de fato muito longe. Seria bom encontrar outros astrônomos, quando chegassem lá. Hoje em dia, andar pelo pequeno labirinto de ruelas provisórias por entre as tendas faz parte da Preparação. Cada época estabelece seus costumes, que fazer?
Ultimamente, eles conseguiam estar se encontrar poucas vezes durante o ciclo novo de cada um. Dzinn estava trabalhando num projeto de pesquisa submarina realmente sofisticado. Por mais que apreciasse as estrelas e demais astros, era nas profundas do mar que mergulhava. Durante certo tempo, fez algum esforço para que Mnaa se interessasse pelas profundezas. Ele chegou a mergulhar, umas vezes, de fato, mas tudo o que se deu foi que ele descobriu mais elementos para sua pesquisa astronômica, quando olhou para o céu estando dentro dágua. Contudo, eles de costume se correspondiam, e trocar uma idéia não era raro, ainda que o assunto não fosse novo. Ambos, vindo cada qual de seu lado, entraram no labirinto de ruelas do Primeiro Acampamento. Foram convergindo até a Praça dos Dois Luares, onde se superpunham as luzes distintas das Duas Luas do modo mais fraterno, tornando tudo mais brilhante e mais inteiro. Quando por fim se encontraram, só faltou luzirem de felicidade. Seu toque elétrico logo os levou a um canto discreto, que haviam preparado com todas as calmas convenientes, onde puderam se deitar juntos. Mnaa e Dzinn ainda estavam, cada qual, em suas situações de macho e fêmea, cada qual ao final de seu ciclo. Sabiam que não se disporiam a procriar de novo mais muitas outras vezes. Já fazia algum tempo que não se sentiam atraídos por pessoas diferentes, o que era sinal de equilíbrio. Só faltava perderem o interesse pela Mudança. Quando estavam completamente envolvidos, Dzinn perguntou se ele queria mesmo encarar a próxima gestação. Já se transformando, Mnaa ficou impressionada com a firmeza da sua própria resposta, pois fez questão.
Quando saíram dali, Dzinn era um homem satisfeito e Mnaa uma mulher grávida. Os dois não haviam esperado tamanha vitalidade para aquele encontro. Foi logo na primeira tentativa que Mnaa percebeu que havia engravidado ali mesmo, o que se confirmou. Mesmo se aproximando dos últimos ciclos, a vida sempre guarda surpresas...